Se eu tivesse um blog, escreveria sobre o tempo das relações
Uma brisa sobre Orgulho e Preconceito, Casamento às Cegas e beijar alguém neoliberal
“É uma verdade universalmente reconhecida que um homem solteiro na posse de uma bela fortuna necessita de uma esposa.”
Há anos que eu não ficava obcecada com um livro, mas essa frase abre a obra que me deu de presente essa experiência mais uma vez. Eu já tinha ensaiado ler Orgulho e Preconceito algumas vezes, mas nunca tinha passado das primeiras páginas.
A primeira vez, foi em inglês. Uma edição de bolso linda que comprei numa livraria perto do jornal que trabalhei em 2014. Além do incômodo de ler esse trambolho nos 4 ônibus diários, não tinha o domínio da língua pra conseguir compreender uma história que, embora não seja excessivamente rebuscada ou complexa, ainda assim tem um vocabulário consideravelmente avançado.
Dessa vez, não foi nenhum momento particularmente especial que me levou pra essa leitura. Pra ser sincera, foi um desses fenômenos inexplicáveis da internet quando, sem motivo aparente, tem muita gente falando sobre o mesmo assunto. Rolando o meu Twitter o que eu faço cada vez menos porque essa rede social é um hospício reparei em algumas pessoas postando aquela cena de Orgulho e Preconceito. O Mr. Darcy na chuva, se declarando. Aquilo me deu muita vontade de assistir o filme, mas resolvi insistir mais uma vez em ler o livro antes.
E que boa decisão! Quando digo que fiquei obcecada, quase não exagero. Li várias noites até muito além da hora que costumo dormir, carreguei meu Kindle de um lado pro outro, trabalhei usando método pomodoro para aproveitar os 5 minutos de pausa pra ler algumas páginas e até ouvi alguns capítulos em audiobook porque eu precisava sair de casa, mas tava muito curiosa pra saber o que ia acontecer.
Para além da satisfação de terminar o livro, consegui aproveitar o processo de desenrolar essa história a cada página, cada plot twist, cada desenvolvimento de personagem. Para alguém que tem tido dificuldade em entender os próprios gostos e encontrar graça sem ser hiperestimulada, foi uma experiência realmente deliciosa.
Parece estranho descrever uma história que existe há mais de 200 anos, mas Orgulho e Preconceito é mais do que uma história de amor ardente. É também uma história sobre família, estrutura social. Me conectei com essa mulher transgressora que é a Elizabeth e passei raiva com a inocência da Jane, ao mesmo tempo incapaz de desgostar de verdade dela. Dei boas risadas com o patriarca bunda mole e fiquei extremamente incomodada com as irmãs eufóricas e a mãe insuportável dessa família. E claro, caí nas graças dos cavalheiros Mr. Bingley e Mr. Darcy — que arrancam suspiros na história, mas não são o foco.
Não vou me aprofundar aqui na tensão social que Jane Austen opera com essa obra ao questionar a dinâmica patriarcal de herdeiros exclusivamente masculinos, dos casamentos baseados em capital, no abismo financeiro entre as famílias rurais e os donos de terra ou o confinamento de vida das mulheres desse período. Tem excelentes resenhas por aí que abordam esse tema.
O mais interessante, para além da história, foi pensar sobre o mais absoluto frenesi que arrebata corações de todas as idades e orientações sexuais por esse casal e a história da relação deles. Eu já tinha lido as reviews do filme no Letterboxd e visto muitos comentários no Goodreads sobre como a paixão entre Elizabeth e Mr. Darcy é um verdadeiro sonho. Então, quando comecei o livro, ansiei durante um bom pedaço dele pelo beijo que ia selar a virada da história desses inimigos mortais em amantes. Porém, ele nunca acontece.
E o quão interessante é que um romance onde as coisas demoram, levam tempo pra acontecer, faça tanto sucesso até hoje. Leva tempo pra terminar de ler. Leva tempo para as coisas mudarem. Leva tempo para as emoções extremas passarem, como a raiva e a tristeza que a Elizabeth sentiu ao ouvir Mr. Darcy fazendo pouco caso da aparência dela. A melancolia da Jane se arrasta com a partida do Mr. Bingley — mesmo tentando esconder essa emoção com todas as forças. Leva tempo para a dupla principal de amantes se entender, se conhecer, ajustar a linguagem para se fazerem compreendidos. Leva tempo para amar.
Sem querer cair num lugar de ai que ironia ser romântica na era da putaria, mas a vida hoje tem muita pressa. Deus nos livre de ter 30 anos e ainda não ter encontrado um romance arrebatador. Ou melhor, O romance arrebatador, o último que vamos viver nessa vida. E que além de tirar o chão debaixo dos nossos pés, seja também a materialização da segurança. E é muito importante que tenha as mesmas ideias, opiniões e uma aparência específica.
Que tenha o gosto certo, ame os filmes certos, as bandas certas, tenha os interesses certos, os hobbies certos, o jeito de postar no Instagram certo. O desejo certo, o jeito de trepar certo. E é bom tudo isso surgir e permanecer assim logo, porque se começar a namorar agora vai levar pelo menos uns dois anos pra ser razoável morar junta, e depois mais quanto tempo até ser okay casar.
Essa maluquice é justamente um dos motivos pelo qual eu me divirto profundamente com Casamento às Cegas. Se você ainda não assistiu, é um reality que já tem uma meia dúzia de temporadas nos Estados Unidos e umas 3 nos Brasil (minha versão preferida).
Ali, homens e mulheres tem encontros às cegas por uma cabine, até que alguém faz um pedido de casamento, que precisa ser aceito também às cegas. Depois, são algumas semanas de convivência intensa até o altar, onde precisam decidir se seguem juntos, casados, ou cada um toma seu rumo.
A dinâmica nesses dates é o mais completo desespero. As coisas mais triviais e genéricas já ditas em um flerte se tornam sinais claros, não, inegáveis, de que essa pessoa sim é a certa para casar. O cara diz que gosta da mãe, ela também gosta da família dela, então pronto. Era isso que eu estava buscando esse tempo todo, alguém com os mesmo valores que os meus!!!
Portanto, toda diferença é um risco. Todo conflito é uma ameaça. Toda frustração é um abalo sísmico na estrutura dessa relação. Logo, o melhor a se fazer é congelar aquela pessoa pela qual você se apaixonou e garantir que ela nunca consiga te ver por outro ângulo.
É um movimento desesperado para tentar agarrar alguma coisa que indique que estamos fazendo a decisão certa e que, por isso, não tem chance da gente se machucar dessa vez.
Mas a gente não tem esse controle e o que mais me inquieta nisso tudo é: o que a gente perde quando não aceita que algumas histórias precisam de mais tempo?
Quando eu conheci minha esposa, éramos muito diferentes. Visões políticas diferentes, vivências de universidade diferentes, infâncias, relações familiares e até formas de enxergar a própria sexualidade diferentes.
Ela não tinhas as opiniões que eu queria, não gostava das músicas que eu esperava que ela gostasse. Ela achava meu diretor de cinema favorito pretensioso e nunca tinha nem ouvido falar do livro que me fez virar madrugadas na época da faculdade.
Ela também se decepcionou em outros momentos da relação com a minha péssima habilidade de organização, com o furacão que eu faço na cozinha, com meus impulsos irresponsáveis com dinheiro, com o jeito como eu grito quando estou com raiva e com as minhas fugas.
Maybe love is only there for a month.
Maybe love is there for every firework, every birthday party, every hospital visit.
Maybe love stays
Maybe love can’t.
Maybe love shouldn't.
Love arrives exactly when love is supposed to, and love leaves exactly when love must.
When love arrives, say,
“Welcome. Make yourself comfortable.”
If love leaves, ask her to leave the door open behind her.
Turn off the music, listen to the quiet,
whisper,
“Thank you. Thank you for stopping by.”
Elizabeth é livre dessa pressão. Ela não tem pressa, sabe que só vai casar por amor e ao mesmo tempo entende que esse sentimento é uma construção. É isso que permite que eles se apaixonem e se redescubram a cada interação, criando uma relação nos seus próprios termos.
Ela decidiu que é melhor não se casar do que viver sob as pressões e opiniões da própria família. Mr. Darcy também. Ele não abre mão de escolher uma pessoa que julgue inteligente, pra além dos acordos financeiros que pautavam as relações da época — mesmo quando isso o fez encarar o próprio ego.
Acho meio impressionante (e muito feliz) que esse romance de longas páginas e horas de filme tenha sobrevivido ao tempo, com tantas descrições de conversas, cartas de amor, confissões e histórias paralelas que não são essenciais para entender a trama principal, mas que compõe a vida daqueles personagens que a gente se apaixona. E a vida é assim mesmo, ela não acontece em 2x.
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E é nessa vida em 1x onde os momentos mais preciosos acontecem. Aquela mulher que tinha nela um tanto de coisas que eu rejeitava, me apresentou a trilogia dos Before e ficou sem palavras quando descobriu que eu também gostava de Guia do Mochileiro das Galáxias. Ela aceitou de bom grado instalar azulejos terracota estampados no lavabo e eu adorei como ficou nossa sala com sofá, tapete, cortina e paredes em tons de bege. A gente descobriu que nós duas gostamos de caminhar no mato (igual Mr. Darcy e Elizabeth) e também pra ir ali comprar cerveja no mercadinho.
Sem acelerar.
Até a próxima!
Eu amo amo amo o vídeo da poesia citado aqui (e também amo orgulho e preconceito). Me senti representada nessa edição kkkkkk