Querido amigo secreto,
Por muitos anos, achei que ia cursar Direito. Na adolescência, era argumentativa que só e uma grande defensora dos oprimidos ao meu redor. Ficava furiosa com toda injustiça identificada por mim — mesmo quando essa injustiça era meu irmão ter mais tempo no computador do que eu. Achei que poderia ser um bom caminho pra explorar no futuro, que eu podia me dar bem nessa profissão.
Mas o tempo foi passando e acabei pegando mais gosto pela leitura, pela contação de histórias, pelos infinitos conteúdos que eu devorava na era de ouro dos blog. Assim, o jornalismo passou a ser uma escolha que fazia mais sentido.
Só que o destino gosta de fazer graça, a interdependência canta e um dos meus primeiros empregos de carteira assinada foi como social media em uma empresa de tecnologia que faz softwares… para advogados. E desde então, há 7 anos, o Direito faz parte da minha vida. As leis, as rotinas dos escritórios de advocacia, o código de ética da OAB, o funcionamento dos tribunais do país e até a data do recesso forense.
Meu coração ainda pulsa forte pela contação de histórias. Por esse trabalho brilhante que o jornalismo muitas vezes consegue elaborar, com impactos incontáveis pra sociedade.
Como quando o Chico Felitti fez milhões de pessoas ficarem obcecadas por um podcast sobre a história de violência no contexto do trabalho doméstico — e o número de denúncias cresceu tanto que as organizações responsáveis por essa demanda precisaram contratar mais profissionais para dar conta do atendimento.
Ou as equipes do Intercept, Joio e Trigo e Pública que trabalharam incansavelmente durante os quatro longos anos de governo Bolsonaro, denunciando diariamente um número estrondoso de barbáries.
E quando o Fantástico mais recentemente dedica boa parte do programa pra escancarar um esquema sujo de casas de jogos de azar impulsionado por influenciadores.
Mas, como você falou no texto sobre o Efeito Fantásico, essa repercussão acaba nos plenários dos legislativos brasileiro.
É quase irresistível. O assessor legislativo sempre mantém um olhar atento ao que pode se tornar uma proposta normativa.
No processo judicial, a rapidez na tramitação é algo desejado, pois, em regra, existe um conflito a ser solucionado pela justiça.
No entanto, no processo legislativo, o objetivo é sempre chegar a alguma forma de consenso; os quóruns de votação são, exatamente, uma maneira técnica e objetiva de registrar essa concordância de uma maioria mínima.
Eu também não sei se a rapidez pela rapidez é, por si só, boa ou ruim. Por um lado tem um sabor de vitória ver algo que prejudica o nosso tecido social sendo exposto como tal e punido como forma de estabelecer acordos coletivos.
Por outro, fica a sensação de que o trabalho ao redor desses temas acaba por ali, na criação de uma lei. E que o debate público, essencial para educar e munir a população de um conhecimento essencial para a manutenção da justiça, morre cedo demais. Pobre demais.
Um debate que poderia chegar no antipunitivismo, por exemplo, que hoje eu olho com muito mais interesse.
Não seria mais benéfico para a construção ativa de uma sociedade mais justa gastarmos mais tempo debatendo sobre como chegamos no ponto que chegamos? Ao invés de correr para punir o saldo dessa bagunça social que a gente testemunha hoje?
E o que seria do papel do legislativo nesse novo modelo? Eu não faço ideia, mas adoraria saber o que você acha.
Essa reflexão não é minha. Ou, melhor, não parte exclusivamente da minha cabeça. Foi lendo Angela Davis que essa pulguinha do antipunitivismo me picou e foi logo nas primeiras páginas que eu percebi como minha visão sobre isso era estreita. Afinal, ela já começa deixando algo muito claro:
“A prisão funciona ideologicamente como um local abstrato no qual os indesejáveis são depositados, livrando-nos da responsabilidade de pensar sobre as verdadeiras questões que afligem essas comunidades das quais os prisioneiros são oriundos em números tão desproporcionais.”
Pra não ir longe demais em plena reta final de dezembro, volto pro ponto de partida dessa carta.
Quando eu entrei no jornalismo, a pergunta mais repetida para as calouras e calouros, apavorados e animadas na mesma medida, era: por que Jornalismo?
A resposta era quase unânime: a gente quer mudar o mundo. E talvez isso una estudantes de Direito e Jornalismo de um jeito que eu ainda não tinha pensado à respeito.
Assim como quando peguei seu nome no amigo secreto, Gabriel, eu pensei “o que que eu vou escrever pra essa pessoa tão inteligente e articulada, que fala de um universo que eu entendo tão superficialmente?” — mas agora tou aqui em plena véspera de natal escrevendo uma longa carta sobre justiça, leis, o tempo da vida, Angela Davis. E mudar o mundo, especialmente sobre mudar o mundo.
Feliz natal e um ano novo com tudo de melhor que essa vida tem pra te oferecer.
Da sua amiga secreta,
Maju.
Esse texto que chega aí na sua caixa de entrada no dia do Natal é parte de um amigo oculto delicioso entre escritoras e escritores de newsletters, organizado pela
do .E que alegria que eu tirei o
, da !O Gabriel escreve quinzenalmente com histórias, pensamentos e indicações sobre temas ligados ao Poder Legislativo e política — e vale a pena acompanhar todas as reflexões excelentes sobre esse universo tão nebuloso pra quem é leigo, mas que é tão, tão importante.
Pra todas vocês que me acompanharam nesse ano incrível que passei compartilhando minhas brisas cheia de medo e excitação: um feliz natal e uma virada de ano com muitas comidas gostosas, presentes, descanso e tempo de qualidade com as pessoas que importam.
Obrigada por estarem aqui comigo.
Até 2024!
Maju,
Já tinha agradecido no "grupo", mas quero agradecer duas vezes. tanto pelo carinho na escrita da carta para seu honrado amigo secreto aqui, mas também por mostrar novas nuances ao "efeito fantástico".