Se eu tivesse um blog, escreveria sobre Caraíva
Ou “dinheiro não compra felicidade, mas prefiro ser triste em Paris”. Será?
Por algum motivo, essa pergunta aparece em cada happy hour da empresa depois que todo mundo já está lá pelo seu terceiro chopp. E segue um roteiro muito semelhante a cada encontro, independentemente do grupo protagonizando o ato:
— Mas e aí, dinheiro traz ou não traz felicidade?
E então, alguém vai dizer que não é bem assim, dinheiro compra coisas pra nos deixar felizes, mas não pode comprar saúde ou amor. Outra pessoa vai ser mais categórica em dizer que dinheiro não traz felicidade e afirmar que isso é armadilha do capitalismo pra manter a gente preso em uma roda de hamster eterna (essa pessoa, muitas vezes, sou eu).
Só que pode ter certeza, alguém vai bater na mesa e encher a boca pra falar:
— TRAZ FELICIDADE SIM, PORQUE SE FOR PRA FICAR TRISTE EU PREFIRO CHORAR EM PARIS.
Mas, prefere mesmo?
Um dos primeiros registros sobre esse questionamento é do século 7 a.C. Tales de Mileto já afirmou naquela época: feliz é quem tem corpo são e forte, boa sorte e alma bem formada. Sócrates também fala de alma como fator central de felicidade, assim como muitos outros filósofos depois dele.
Só que aí meu colega que preferia chorar em Paris pode dizer: fácil pra esses pensadores ricos cujo trabalho era literalmente pensar. Ou mesmo pra mim, que voltei há pouco de uma viagem de 20 dias pra a Bahia.
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Dinheiro com certeza comprou experiências incríveis em Caraíva — lugar que cresce em popularidade sem possibilidade de crescer em tamanho além do espaço delimitado da ilha. É inclusive muito possível que você já tenha ido ou conheça alguém que visitou.
Amo fazer viagens pra lugares com natureza e bater perna diariamente, então quando alguns amigos voltaram de lá falando do quanto o lugar é realmente especial, comecei a me planejar. Eu e minha companheira juntamos dinheiro de décimo terceiro e caixinha de viagem e decidimos ir no luxo pra lá.
Entenda luxo por: vôo com o menor número de conexões, uma pousada bem confortável com ar condicionado e café da manhã incluso, orçamento pra fazer todas as refeições fora de casa sem se preocupar.
E assim fomos. Desde o primeiro momento em Caraíva, o lugar entregou toda a magia prometida mesmo. A lua estava quase cheia e a travessia de barco parecia uma cena de filme. O calor misturado com uma brisa fresca no rio, a luz do luar transformando tudo que toca em prata, o som do forró dando as boas-vindas conforme chegávamos no fim do trajeto e dentro da cidade.
Já era tarde e com as duas derrubadas de cansaço, só deu tempo de largar as coisas na pousada, comer uma senhora tapioca e voltar pra cama. No dia seguinte a gente ia aproveitar.
Bom, no meu caso, mais ou menos.
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Eu estava desesperada por férias. Passei dois meses obcecada com trabalho — com as tarefas de rotina, com minha relação com esse trabalho, com o meu futuro nessa carreira — e sem conseguir desligar mesmo depois de fechar o computador. Saí da minha cidade dizendo pra todos os meus amigos: eu vou esquecer como se trabalha nessa viagem!!!. Mas não foi bem assim.
Nos primeiros dias, eu me esforcei muito pra relaxar. Muito. Me esforcei tanto que era perceptível a minha incapacidade de, de fato, relaxar. Bebi drinks sem sentir de verdade os sabores, comi pasteizinhos na beira da praia sem perceber como eles eram crocantes e apimentados. Entrei no mar mais quentinho e não me permiti ficar maravilhada.
Tive conversas com uma profunda desconexão entre o que eu falava e onde minha mente estava. Se me perguntassem 1 minuto depois o que eu acabei de falar, talvez eu não soubesse dizer.
Não porque eu estava pensando em trabalho. De fato, não me preocupei com isso. Mas o corpo gritava os sinais de estresse. De excesso de estímulos. De quem, durante o trabalho, se escondeu nele. E na ausência dele, não tinha pra onde correr. Não tinha como abafar os próprios pensamentos.
Tudo que eu queria era esconder dentro de uma caixa por 20 dias qualquer problema que estivesse em mim pra ser minha melhor versão: relaxada, divertida, leve, proativa. Que eu pudesse ser uma companhia melhor pra quem dividiu essa viagem comigo.
Porque é uma experiência desconcertante estar em um lugar paradisíaco, com as melhores bebidas, comidas, companhia, conforto e simplesmente não conseguir desacelerar. Não conseguir absorver essa experiência porque não tem espaço.
Eu podia tirar lindas fotos. Fazer vídeos de vistas estonteantes. Pegar o refrão mais bonito daquele samba cantado em noite de lua cheia. Mas nenhum desses registros retrataria a fragmentação da minha atenção e a angústia que me consumiu a cada percepção desse estado de torpor.
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Lá pelo 5 dia de viagem a gente fez uma caminhada bem longa até a Praia de Satu. Foram quase 7km em areia fofa, sob o sol inclemente da Bahia às 10h da manhã. O horário tem uma razão: pra chegar a essa praia, é preciso respeitar a maré.
Se ela está alta, não tem como passar a pé com as ondas batendo e as pedras escondidas na água. Pra voltar, é preciso sair quando ela ainda está baixa — ou não dá tempo de chegar de volta ao vilarejo sem ser pego pela maré subindo. A diferença entre o pico da alta e o vale da baixa é chamada de coeficiente de maré.
E foi nesse dia, embalada pelo cansaço físico e muita conversa com quem me conhece como ninguém que eu chorei. Na beira de uma das lagoas de Satu, onde a água do rio beija o mar e forma uma pequena piscina natural, fui lavada pela percepção de que meu coeficiente de maré interno nunca esteve tão alto.
Eu já vivi momentos de saúde mental arregaçada e saúde física idem. Já tive ciclos em que, mesmo sedentária, minha mente estava forte, as emoções com espaço pra correr sem medo. Mas foi a primeira vez me sentindo fisicamente apta a andar quilômetros todos os dias, nadar horas no mar e ainda fechar a noite com um forrozinho — mas com a mente perturbada.
Aristóteles falou no seu tempo sobre felicidade eudaimônica, conceito amplamente explorado também nas tradições budistas. Essa, uma felicidade não baseada naquilo que a gente adquire e nos dá uma explosão de alegria: a viagem pra Paris, um pedido de casamento, beber um drink maravilhoso ou comer aquele chocolate que você está desejando há 3 dias.
Ou no meu caso mais recente, o dadinho de tapioca, a caipirinha de cacau ou a companhia da minha pessoa favorita.
Mas sim um estado de contentamento estável, alcançado ao viver de acordo com propósitos mais amplos. Que se alegra e se entristeça, que sente raiva, medo e desejo sem necessidade de controle, sem classificar ou julgar o que surge. Que entende que tudo é impermanente — o que nos agrada, o que nos desagrada, o emprego, a relação, o vinho bom, o remédio amargo.
Sorte a minha ter férias longas e oportunidade de acolher que, sim, eu estava emocionalmente fragilizada. E que isso não era sinônimo de infelicidade. Meu propósito é pisar nesse mundo com presença, sem medo de mim mesma. Assim:
Então por isso eu não compro essa ideia de que dinheiro é sinônimo de felicidade. É possibilidade, é privilégio, oportunidade, chance, facilitador, potencializador, diferenciador, poder, status, caminho, moeda de troca, esperança até. Mas felicidade, não é.
Enquanto eu finalizava esse texto que já estava no rascunho há semanas, minha esposa passou aqui no escritório pra perguntar o tema dessa edição. Perguntou rindo se era um especial pra o dia dos namorados — que, nada contra, mas a gente não comemora.
Não é. Mas é uma carta de amor àquelas que ficam. Ficam pra si mesmas e pra quem precisar. Isso, eu desconfio, seja felicidade também.
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Eu poderia dizer que não estou tão consistente por aqui por conta de trabalho ou tratamentos de saúde. Mas a verdade é porque eu estive ocupada pela minha OBSESSÃO com ACOTAR. Estou terminando o último livro e sinto que vem aí um grande luto literário.
Adote uma família é uma das ações de apoio contínuo à reconstrução do Rio Grande do Sul — que ainda vai durar muito, muito tempo. Vale a pena conhecer e apoiar!
Não vi muitos filmes nas últimas semanas, mas despretensiosamente dei play em Jogos Vorazes: a cantiga dos pássaros e das serpentes. Foi bem melhor do que eu esperava! Adoro a saga original e achei esse prólogo muito bem feito. Tá na Prime.
Esse texto da
resume um desejo coletivo de estar offline. Eu quero ser o Wagner Moura mesmo: offline, fazendo sucesso com o que ama e envelhecendo como vinho.Nunca ouvi Billie Eilish antes e caí de amores por esse álbum novo. Cada letra linda. Vale a pena! Minhas favoritas são Lunch, Blue e L’Amour de Ma Vie.
Esse episódio de Gostosas também choram sobre fazer amigos me pegou demais! A Lela discute a dificuldade especialmente entre nós, 30+, de ter um terceiro espaço na vida que não seja nossa casa ou nosso trabalho para criar relações.
Até a próxima!
Como é difícil descansar quando a gente treinou tão bem o corpo e a mente para fazer ruído. Veio em boa hora, Maju <3 Gracias
Viver o paraíso é uma chave que primeiro precisamos virar dentro de nós.